A lista de horrores já soa, a esta altura, familiar. Meninas proibidas de ir à escola e condenadas ao analfabetismo. Mulheres impedidas de trabalhar e de andar pelas ruas sozinhas. Milhares de viúvas que, sem poder ganhar seu sustento, dependem de esmolas ou simplesmente passam fome. Mulheres com os dedos decepados por pintar as unhas. Casadas, solteiras, velhas ou moças que sejam suspeitas de transgressões - e tudo o que compõe a vida normal é visto como transgressão - são espancadas ou executadas. E por toda parte aquelas imagens que já se tornaram um símbolo: grupos de figuras idênticas, sem forma e sem rosto, cobertas da cabeça aos pés nas suas túnicas - as burqas. Quando o Afeganistão entrou no noticiário por aninhar os terroristas que bombardearam o World Trade Center e o Pentágono, essas cenas de mulheres tratadas como animais voltaram a espantar o Ocidente. Elas viviam em regime de submissão absoluta havia muito tempo, mas a situação ficou ainda pior desde que a milícia Talibã tomou o poder no país há 11 anos.
O cenário de Idade Média não era uma prerrogativa afegã. Trata-se de uma avenida permanentemente aberta aos regimes islâmicos que desejem interpretar os ensinamentos do Corão a ferro e fogo. A isso se dá o nome de fundamentalismo. Há países de islamismo mais flexível, como o Egito, e outros de um rigor extremo, como a Arábia Saudita. Para o pensamento ortodoxo muçulmano, a mulher vale menos do que o homem, explica Leila Ahmed, especialista em estudos da mulher e do Oriente Próximo da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos. "Um 'infiel' pode se converter e se livrar da inferioridade que o separa dos 'fiéis'. Já a inferioridade da mulher é imutável", escreveu Leila num ensaio sobre o tema, em 1992.
A circuncisão da mulher não é mencionada no Alcorão e não é obrigatória. A circuncisão ainda é usada até hoje no norte da África. Essa mutilação tem a seguinte explicação: a mulher tem apenas o papel de reprodutora, assim sendo, é considerado pecado ela sentir prazer na relação sexual.
Por trás dessa situação há uma ironia trágica. A exclusão feminina não está presente nas fundações do islamismo, mas apenas no edifício que se erigiu sobre elas. O Corão, livro sagrado dos muçulmanos, contém versículos dedicados a deixar claro que, aos olhos de Alá, homens e mulheres são iguais.
Então, quais são as explicações para a opressão das mulheres no Islã?
Os muçulmanos, ao longo dos séculos, assimilaram a prática de formar haréns com os mecanismos de repressão feminina, que eram uma característica marcante daqueles povos. Um dado complicador é que as muçulmanas têm, até hoje, um conhecimento muito vago da lei divina. Aderem ao fundamentalismo atraídas pelos ideais de pureza da religião e, quando ele é instaurado, são surpreendidas por seus rigores - a exemplo do que ocorreu no Irã dos aiatolás.
Se a democracia chegou para as mulheres que vivem sob a égide da civilização judaico-cristã, não há por que ela não possa ser almejada pelas muçulmanas que se orgulham de sua religião.
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